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Debate, no TCE/SC, aponta caminhos para o financiamento da saúde pública

qui, 03/12/2015 - 15:54
Debate, no TCE/SC, aponta caminhos para o financiamento da saúde pública

“É preciso mudar o fluxo da judicialização da saúde para, no mínimo, impor à União maiores ônus argumentativos para suas omissões e atrasos quanto à efetividade do direito à saúde e para sua trajetória de redução proporcional no custeio do SUS [Sistema Único de Saúde]”. A tese é da procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo (MPC/SP), Élida Graziane Pinto, durante debate promovido pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC), no dia 25 de novembro, em Florianópolis.

 A procuradora defendeu a fixação de um regime transitório para o Governo Federal, com a adoção de medidas cautelares, a partir da união de esforços de estados e municípios, inclusive dos prefeitos e suas entidades representativas nacionais, como possível solução para o impasse que atinge o financiamento da saúde pública brasileira e que sobrecarrega em maior proporção as finanças públicas municipais.

Segundo Élida Graziane Pinto, essas providências, que também dependem da articulação com o Congresso Nacional, Tribunais de Contas, Ministério Público, bem como de ações junto à Justiça Federal, precisam ser adotadas ainda nesta fase de transição entre as Emendas Constitucionais  29/2000 e 86/2015, que tratam dos gastos mínimos em saúde pela União, estados e municípios.

 Com a publicação, em março deste ano, da EC 86, a partir de 2016, a União passará a adotar, “progressivamente”, percentual da Receita Corrente Líquida (RCL) como critério para o gasto mínimo com a saúde, e, até 2020, deverá atingir o patamar de 15%. Em 2016 serão 13,2% e, no ano seguinte, 13,7% da RCL. Proporcionalmente, menos do que foi aplicado em 2000 (14% da RCL), conforme destacou Élida Pinto, durante o debate no auditório da sede do TCE/SC.

 Até a EC 86, o critério normativo — Lei Complementar 141/2012, art. 5º — para definição do gasto mínimo do Governo Federal em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) era o montante correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). A consequência, de acordo com a procuradora, foi o estabelecimento de uma vinculação estagnada do gasto federal em saúde.

“Precisamos provocar constrangimento à União em torno daquilo que ela deixou de fazer ao longo desses 15 anos”, alertou a integrante do MPC/SP, ao adiantar que não há solução fácil, milagrosa ou rápida para problemas complexos, antigos e estruturais. A ideia do debate, segundo ela, é oferecer, em especial, aos prefeitos e gestores da saúde, argumentos para promover um diálogo mais equilibrado com a União.

 

Restos a pagar

Para enfrentar o cenário decorrente da estagnação dos gastos federais e do crescente aumento da participação dos municípios no custeio das ASPS, evitando o risco de colapso do SUS, Élida Pinto sugeriu quatro focos prioritários de controle, no período de transição entre as emendas 29/2000 e 86/2015.

A primeira providência é não aceitar que as disponibilidades de caixa do Fundo Nacional de Saúde (FNS) sejam computadas formalmente como superávit primário, para fazer face à cobertura financeira dos mais de R$ 12 bilhões de restos a pagar contabilizados como ASPS, acumulados desde 2003. “O dinheiro não é liberado na velocidade em que deveria para, formalmente, fazer meta fiscal”, explicou a procuradora.

 Como objetivo de quebrar o “ciclo vicioso” de adiamento, Élida Pinto defendeu que os recursos depositados no FNS, para fins do art. 24 da Lei Complementar 141/2012 (dispõe sobre valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ASPS) — restos a pagar mais saldo de empenhos do exercício — sejam liberados, imediatamente, para pagamento das despesas assim que forem liquidadas. “Sem rolagem do ‘passivo’, indefinidamente exercício após exercício”, alertou.

 Na opinião da procuradora, a prática é uma séria falha de gestão e prejudica a capacidade de atuação de estados e, principalmente, dos municípios, que são obrigados a arcar com a maior parte do custo fiscal pela efetividade do direito à saúde pública no País, afetando políticas públicas em áreas essenciais para o bem-estar do cidadão, como resíduos sólidos e mobilidade urbana.

Estudos recentes mostram que, desde a promulgação da EC 29/2000, a contribuição dos municípios brasileiros vem aumentando com patamares bem acima do mínimo constitucional (15% da receita de impostos).

 Élida Pinto considera que interessa à União manter os restos a pagar não liquidados, porque se eles forem cancelados o Governo Federal será obrigado a compensá-los, por ter computado o valor em seu piso constitucional, sem assegurar horizonte de real fluxo de pagamento com os recursos do Fundo. Na opinião da procuradora, tal procedimento demonstra uso abusivo do regime de caixa para “pedalar” temporalmente o dever de gasto mínimo em saúde.

 

Despesas obrigatórias

O segundo foco de controle apontado pela integrante do MPC/SP é não admitir que, nos decretos de programação financeira do Governo Federal, os recursos da saúde sejam contingenciados, na prática. Ela disse ser necessário vedar a inclusão, sob qualquer designação ou pretexto, dos programas federais incluídos no dever de gasto mínimo com a saúde no rol de despesas obrigatórias sujeitas à programação financeira, porque dessa forma deixam de ser protegidos nos moldes da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) como despesas não suscetíveis de contingenciamento — procedimento que consiste no retardamento ou na inexecução de parte da programação de despesa prevista na lei orçamentária.

“A aludida manobra tem sido empreendida nos decretos de programação financeira do Executivo Federal, como se a matéria fosse apenas ‘regulamentação ao art. 8º da LRF’ [Lei de Responsabilidade Fiscal], mas a sua repercussão prática e normativa é a de esvaziar a proteção constitucional das despesas obrigatórias”, argumentou Élida. Advertiu que se a despesa é obrigatória ela não pode sofrer limitação de movimentação financeira e ressaltou que a LRF veda o seu contingenciamento.

Segundo a integrante do MPC/SP, ao não questionarmos tal cenário, direta ou indiretamente estamos admitindo que todos os programas finalísticos do Ministério da Saúde, embora configurem despesas obrigatórias — não contingenciáveis —, não podem ser integralmente pagos no mesmo exercício em que foram empenhados. “Há um limite de pagamento sempre inferior ao limite de empenho, mesmo já incluído ali o estoque de restos a pagar superior a R$ 12, 6 bilhões”, registrou Élida, ao lembrar dos constantes adiamentos de repasses pelo Governo Federal a estados e municípios.

“As despesas da saúde estão sendo tratadas como adiáveis. Eu posso adiar a vida de alguém que está em risco no hospital? Eu posso deixar de tratar os pacientes com câncer?”, questionou a procuradora. Ela também chamou à atenção para as graves consequências causadas à saúde pública em decorrência do contingenciamento de despesas com pesquisas relacionadas ao combate à dengue e doenças correlatas e ao zika vírus, e a procedimentos de média e alta complexidade.

 

Orçamento/2016

 Refutar a previsão e a execução de quaisquer montantes de valores no orçamento da União que impliquem em queda, nominal ou proporcional, de aplicação em ASPS no orçamento da saúde para 2016, em face do que foi aplicado em 2015 e 2014. Esta é a terceira frente de atuação defendida pela procuradora. “Mesmo em caso de variação negativa do produto interno bruto do país, o patamar de gasto mínimo não poderá ser reduzido, em termos nominais, de um exercício financeiro para o outro”, destacou Élida, com base no art. 5º, § 2º, da LC 141/2012. De acordo com a procuradora não se admite que, a pretexto de cumprimento dos subpisos, previstos no art. 2º da EC nº 86/2015, a União aplique em 2016, menos recursos do que foi gasto em 2014 ou em 2015.

“Vale lembrar que o pactuado na Comissão Intergestores Tripartite [CIT] é obrigatório, ainda que excedente ao piso”, advertiu Élida, ao registrar que piso não é teto e sim patamar mínimo. Para ela, se a União pactuou na CIT tem de cumprir, mesmo que venha a ser, formalmente, excedente ao piso, sob pena de lesão ao dever de gasto mínimo material e ao pacto federativo. “Se está pactuado na legislação, inclusive nas portarias do Ministério da Saúde para fins de piso, de incentivo financeiro, município por município, tem que empenhar, tem que assegurar a execução disso”, concluiu.

 

Papel dos TCs

 Nesse contexto, a integrante do MPC/SP conclamou os tribunais de contas do País a exigirem do Governo Federal a informação sobre o montante de recursos previsto para a transferência da União aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, com base no Plano Nacional de Saúde. A Lei nº 8.080/90, inciso I do caput do art. 9º, determina que o Executivo Federal manterá os Conselhos de Saúde e o TCs de todos os entes da Federação informados sobre os valores a serem transferidos a cada estado e município para custeio das ASPS.

“Se soubermos o que está pactuado e vier a menos, podemos exigir do Ministério da Saúde”, disse Élida Pinto. A procuradora também ressaltou que, com a informação, a exigibilidade judicial do que foi pactuado nas CITs e aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) será mais fácil. “Precisamos, urgentemente, reclamar o acesso à informação sobre o volume total de repasses pactuado para cada município e para cada Estado”, reiterou.

Élida sustentou que a pactuação induz planejamento federativo e gera obrigações recíprocas no custeio do SUS, inclusive para que seja possível a estados e municípios fazer uma previsão orçamentária realista dos seus gastos com a saúde. Lembrou ainda que as correções metodológicas do IBGE sobre o comportamento do PIB, nos últimos anos, também deveriam ter impactado sobre o cálculo do piso dado pela EC 29/2000 e registrou que a União tem se esquivado desse debate. No entendimento da integrante do MPC/SP, a consequência disso é a “fraude à Constituição em tal regime de piso-teto, com guerra fiscal de despesas e a própria ineficácia do SUS como política”.

 

Compensação

A quarta medida proposta pela procuradora é exigir a compensação de quaisquer restos a pagar que tenham sido cancelados e que, originalmente, tenham sido contabilizados no piso federal em ASPS, na forma do art. 24, §§ 1º e 2º e art. 25, caput da LC 141/2012. De acordo com dados apresentados pela integrante do MPC/SP, o CNS registra um saldo de restos a pagar cancelados e não compensados de R$ 2,198 bilhões, porque o Ministério da Saúde entende que o dever de compensar só vale para aqueles gerados após a vigência da Lei. Para Élida, se trata de redução abusiva do comando legal e contrária à finalidade constitucional. A procuradora apontou a necessidade de fixação do regime jurídico de restos a pagar em ASPS, para evitar o que chamou de “precatorização”.

Durante o debate, a deputada federal por Santa Catarina Carmem Zanotto, ex-secretária de Estado da Saúde e membro da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, apresentou a evolução do orçamento da saúde, em âmbito federal, e, Maurício Pessutto, procurador público federal em Santa Catarina, da área dos direitos do cidadão, trouxe a visão do MPF sobre o desequilíbrio no financiamento da saúde pública brasileira.

O “Descompasso federativo no financiamento da saúde pública brasileira” foi o tema central do evento que reuniu, no auditório da sede do TCE/SC, cerca de 170 pessoas, a maioria prefeitos e gestores da saúde dos municípios catarinenses. A proposta foi discutir, com especialistas, perspectivas de solução para os desafios da gestão dos recursos na área da saúde pública. Também participaram o presidente do Tribunal de Contas, conselheiro Luiz Roberto Herbst, conselheiros, auditores-substitutos de conselheiros e servidores do Órgão, integrantes do Ministério Público junto ao TCE/SC e do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), demais agentes públicos e interessados no tema.

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